Jalapão foi a nossa primeira expedição com 4x4, off-road de longa duração!
Entre poeira, risadas e descobertas, o Jalapão transformou a maneira como enxergamos o off-road.
Era 2006, aniversário de um ano da minha filha. Fizemos a festa em um buffet. Parecia evento off-road: a jipaiada laranja ocupou quase todas as vagas do estacionamento e da rua.
Estávamos sentados — eu, Mazzeo e o Gilberto — e, como sempre, falando de trilha (pra variar!). Em algum momento, o papo caiu no Jalapão, que na época era quase uma lenda: um “território inexplorado” a mais de 2.000 km de São Paulo.
Dizem que as melhores ideias surgem sem planejamento. No nosso caso, nasceu entre uma coxinha e um refrigerante: em dez dias, estaríamos a caminho. E fomos.
Eu tinha acabado de colocar pneus Maxxis Trepador 37” no jeep. Pra resumir a história: fui, voltei e eles acabaram. Rodei cerca de 5.000 km e vendi as carcaças pra recapagem. Não usei nem por um mês!
Preparativos e partida
Fizemos o que sabíamos fazer: nos preparamos como quem vai enfrentar o apocalipse. Levamos galões de combustível, comida, refrigerantes e água pra uma semana, ferramentas e um monte de dinheiro trocado, porque diziam que lá “não aceitavam nota grande nem cartão”.
Partimos com dois carros: o meu jeep “monstrão”, comigo, Mazzeo e Gonzo, e a Land Rover do Gilberto, com os filhos Felipe e Léo.
A primeira tocada foi até Brasília — mil quilômetros num único dia. Dormimos em uma pousada simples, fizemos algumas fotos no Congresso Nacional e seguimos rumo à cidade de Ponte Alta, a porta de entrada para o Jalapão.
E lógico que "causamos" andando pelo planalto com as vituras, acho que entramos na entrada de acesso do planalto ou algo assim. Foi no nosso estilo, humor e adrenalina, mas no final nos rendeu até uma foto com a polícia!
ADRENALAMA no Senado!
Escolhemos o caminho passando por Pindorama, nome de origem tupi que significa “terra das palmeiras”. Antes da chegada dos colonizadores, esse era o nome dado ao Brasil pelos povos indígenas, e até hoje a pequena cidade guarda resquícios da paisagem original do cerrado, com suas veredas e buritis.
Após mais 700 e poucos quilômetros, chegamos ao nosso segundo ponto de pernoite: uma pousada simples à beira do Rio Ponte Alta.
Depois do café da manhã, seguimos e cruzamos a ponte que dá acesso ao Parque Estadual do Jalapão. E demos sorte! Por pouco o meu jeep não passa. A ponte tem limitadores de 2,10 m de largura. Meu jeep tinha 2,06. O Mazzeo falou que foi sorte, o Gonzo jurou que o jeep foi feito sob medida. Passamos no fio da navalha!
Dentro do Jalapão: onde o cerrado mostra sua força
O Jalapão fica no coração do cerrado brasileiro, um dos biomas mais ricos e ameaçados do planeta. É uma mistura de savana e deserto, com rios de água cristalina, chapadas, dunas e formações rochosas impressionantes.
O nome vem de uma planta da região, o jalapa-do-campo, e o parque cobre mais de 159 mil hectares de natureza bruta.
Pra meus amigos aqui na Itália (onde vivo hoje) terem ideia do tamanho, dentro do Parque Estadual do Jalapão caberiam 26 cidades do tamanho de Roma.
Nosso roteiro incluía: Cânion de Sussuapara, Cachoeira da Velha, Dunas do Jalapão, Cachoeira do Formiga, Fervedouro e a cidade de Mateiros.
As noites seriam em acampamento selvagem, o que pra gente era a parte mais tranquila. Já estávamos acostumados a dormir no meio do mato nas trilhas do ADRENALAMA.
O Jalapão é enorme!
Aqui algumas imagens dos nosso deslocamentos entre um ponto e outro que visitamos
Sussuapara: a fenda que surpreende
Logo na entrada do parque, a cerca de 14 km de Ponte Alta, fica o Cânion de Sussuapara — um lugar completamente inesperado.
Imagine uma rachadura na terra com uns 15 metros de profundidade, onde a luz do sol entra em feixes entre paredes cobertas de samambaias, musgos e água escorrendo. No fim, uma pequena cachoeira forma uma praia de água doce. É como entrar em outro planeta.
Cachoeira da Velha: o poder da natureza no meio do nada
Depois de quilômetros rodando sob o sol, em uma estrada árida e solitária, aparece uma plaquinha minúscula: “Cachoeira da Velha”.
Você segue uma trilha simples, sem imaginar o que vem pela frente, e de repente ela surge.
Uma queda d’água monumental em formato de ferradura, com mais de 20 metros de largura, cortando o Rio Novo, um dos poucos rios de água potável do Brasil. Ele nasce na Serra Geral e percorre cerca de 480 km até desaguar no rio Sono. Suas margens chegam a ultrapassar 200 metros em alguns pontos.
O contraste é surreal: o deserto dá lugar a um espetáculo de água e força.
As dunas e o ouro do cerrado
As Dunas do Jalapão são um espetáculo à parte. Formadas pela erosão das rochas da Serra do Espírito Santo, mudam de cor conforme o sol se põe, passando do amarelo ao laranja intenso.
Na época, brincamos que eram as ADRENADUNAS, perfeitas para os nossos jipes alaranjados.
Mais imagens das Dunas no Jalapão
Foi ali que conhecemos o artesanato de Capim Dourado, produzido pelas comunidades quilombolas da região.
O material vem do Syngonanthus nitens, planta típica do cerrado, colhida manualmente e trançada em peças que brilham como ouro.
Hoje, o Capim Dourado é conhecido no mundo inteiro, símbolo da força e da criatividade dessas comunidades que preservam tradições, histórias e técnicas passadas de geração em geração.
Cachoeira do Formiga: o paraíso verde-esmeralda
Entre Mateiros e São Félix do Tocantins, fica a Cachoeira do Formiga, um dos lugares mais bonitos onde já acampei no Brasil.
A água tem uma cor verde-esmeralda inacreditável e uma temperatura perfeita. O lugar é pequeno, mas mágico, com peixes nadando ao redor e o som da queda criando um ambiente de paz total.
O Gonzo fez o tradicional macarrão à Francesinha. Quem quiser saber a origem desse nome, comenta aqui no post!
Na pequena cidade de Mateiros
Em Mateiros, encontramos um posto para abastecer e conhecemos o restaurante da Dona Rosa, que funcionava na própria casa dela.
O lugar era simples, rústico e acolhedor. A comida caseira, maravilhosa. Ficamos um bom tempo ali proseando, enquanto as crianças corriam pelo quintal.
O Gonzo aproveitou o banheiro e acabou tomando banho como se estivesse em casa. Não dá pra recriminar, o calor no Jalapão não é brincadeira! Valeu a parada, o almoço e o bom papo, mas a estrada nos chamava.
O Fervedouro: o chão que respira
O Fervedouro foi uma das experiências mais curiosas da viagem.
O fundo é formado por uma areia finíssima, sustentada pela pressão da água que brota do lençol freático.
Você entra e percebe que não há fundo firme, mas também não consegue afundar. A nascente te empurra pra cima. É como flutuar em um sonho líquido.
Na época só conhecíamos um Fervedouro, mas hoje há dezenas abertos ao turismo, cada um com um tom diferente de azul e verde.
A expedição teve até resgate!
Depois de concluir nosso roteiro dentro do parque, já estávamos voltando para Ponte Alta quando vimos dois homens parados com uma moto.
O mais velho estava agachado, tentando se esconder do sol atrás de um arbusto. O outro, o genro, estava em pé, com a cara da derrota.
Paramos. Prosear com o pessoal local sempre rende boas histórias — e no Jalapão, a hospitalidade é marca registrada.
Eles contaram que estavam ali há horas. Pegamos as ferramentas, desmontamos a moto, e o diagnóstico foi rápido: bobina queimada. Sem conserto.
Eles contaram que estavam ali há horas. Pegamos as ferramentas, desmontamos a moto, e o diagnóstico foi rápido: bobina queimada. Sem conserto.
Enquanto guardávamos as ferramentas, o senhor olhou pra nós e disse:
— “Se puderem deixar um pouco de água pra nós, logo algum amigo passa e nos carrega pra casa.”
Nos entreolhamos e caímos na risada. O Gonzo já subiu na Land, o Mazzeo adiantou:
— “Capaz que vamos deixar vocês aqui!”
Minutos depois, a moto já estava no teto da Land Rover e eles dentro do carro.
Mais uma missão cumprida estilo ADRENALAMA!
Deixamos os novos amigos e a moto em Ponte Alta, sãos e salvos.
E o mundo é mesmo pequeno. Três anos depois, voltamos ao Jalapão, e nas Dunas, uma dona de loja nos reconheceu pelos jipes laranjas. Era filha do senhor que resgatamos.
Nos agradeceu e nos presenteou com peças de Capim Dourado.
De volta pra casa
No final da viagem, um compromisso inadiável em São Paulo foi antecipado. Resultado: voltamos direto, quase 2.000 km sem dormir, mais de 20 horas de direção contínua.
Não recomendo pra ninguém, principalmente dirigindo um jeep montado peça por peça, tipo Frankenstein.
Mas sobrevivemos. E voltamos com a alma cheia de histórias.
O começo de uma nova forma de viver a estrada
O Jalapão me transformou. Naquele deserto cheio de vida, percebi o quanto o mundo é grande e o quanto somos pequenos.
Voltei pensando diferente. Dois anos depois, organizamos uma nova expedição e levamos 28 pessoas em comboio para conhecer aquele paraíso.
A aventura raiz ainda pulsava forte em mim, mas ali, sem perceber, nasceu a semente das longas viagens.
Hoje entendo: o Jalapão não é um destino, é uma experiência que muda quem passa por ele.
E como diz o ditado, antes de morrer você deve plantar uma árvore e escrever um livro.
Quando repito essa frase, sempre adiciono: “e visitar o Jalapão.”
Esse texto ficou longo, e acredite, contei só uma parte do que rolou nesses dias malucos de estrada.
Mas é assim que tem que ser, quanto mais histórias a gente vive, mais tem pra contar nas rodas de amigos, nas trilhas e nas páginas do ADRENALAMA.
ADRENAOPINIÃO
Adaptando a frase de Drummond, posso afirmar que a vida necessita de viagens, que são as pausas pra nos abastecer de boas lembranças, novas culturas, novas amizades e nos dar a chance de conectar mente e alma a esse mundo maravilhoso em que vivemos.
É longe da zona de conforto que a gente realmente descobre quem é.